Proposta de reforma da Previdência é inconstitucional, conclui órgão ligado ao MPF
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, que trata da reforma da Previdência, é inconstitucional. A conclusão é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal (MPF), e consta em uma nota técnica enviada aos parlamentares que analisam o projeto no Congresso Nacional.
Segundo a Procuradoria, o estabelecimento de um novo regime com base em um modelo de capitalização altera o princípio da solidariedade, núcleo central da Constituição Federal de 1988. A PFDC lembra que o dispositivo que determina esse regime de Seguridade Social é o mais importante de toda uma série de políticas públicas previstas no texto constitucional, que têm o objetivo de diminuir as desigualdades históricas do país. A capitalização sob a forma de uma poupança individual, por sua vez, tende aumenta a desigualdade tanto de renda quanto de gênero
“A ideia força da capitalização proposta pela reforma da previdência – comumente chamada de ‘poupança individual’ – é a do máximo egoísmo, em que cada qual orienta o seu destino a partir de si, exclusivamente. Nada mais incompatível, portanto, com o princípio regulativo da sociedade brasileira, inscrito no art. 3º da Constituição Federal, que é o da solidariedade”, critica a nota.
Privatização da Previdência fracassou em outros países
Na nota enviada ao Congresso, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão elenca dados de um estudo produzido em 2019 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que analisa três décadas de privatização da Previdência Social em países do Leste Europeu e da América Latina, como Argentina, Chile, Bolívia e Peru. O estudo aponta o absoluto fracasso do modelo: segundo o levantamento, a grande maioria dessas nações se afastou da privatização após a crise financeira global de 2008, quando as falhas do sistema de Previdência privada tornaram-se evidentes e tiveram que ser corrigidas.
O texto elenca uma dezena de impactos causados, tais como a estagnação e a diminuição da cobertura previdenciária; o aumento da desigualdade, inclusive a de gênero; os altos custos da transição entre os sistemas público e privado e as enormes pressões fiscais advindas desse processo; bem como a transferência, ao trabalhador, do ônus dos riscos típicos do mercado financeiro, entre outros pontos. “Tendo em vista a reversão da privatização pela maioria dos países e a acumulação de evidências sobre os impactos sociais e econômicos negativos da privatização, pode-se afirmar que o experimento da privatização fracassou”, aponta a Procuradoria.
A nota técnica evidencia ainda que os impactos econômicos e sociais advindos do modelo proposto tornarão impossível o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no que se refere à proteção dos direitos humanos – inclusive quanto aos determinados no âmbito da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), que estabelece 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas para erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir que as pessoas alcancem a paz e a prosperidade. “São compromissos integrados e indivisíveis, equilibrando as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental”, diz a Procuradoria.
Benefícios assistenciais
A nota chama atenção para o fato de que, embora a proposta encaminhada ao Congresso tenha por mote a reforma da Previdência, ela alcança também outros benefícios da Seguridade. “Os mais desvalidos não são poupados pela PEC 6/2019, que pretende restringir até o Benefício Assistencial de Prestação Continuada (BPC), destinado aos idosos e pessoas com deficiência que não tenham como prover a sua subsistência”, ressalta a PFDC.
Acerca da matéria, a Procuradoria aponta que sequer o argumento econômico socorre a proposta, tendo em vista que, segundo dados da própria Previdência Social, em janeiro de 2019 os gastos com o benefício assistencial correspondiam a apenas 3,4% (R$ 16.663.256,00) do valor total pago pelo INSS (R$ 490.433.881,00).
“O paulatino enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores, a revolução tecnológica e a própria redução das perspectivas de aposentadoria tendem a aumentar a demanda pelo BPC. O Estado deveria, portanto, estar preocupado em fortalecer esse sistema, para cumprir com seu dever de garantia do mínimo existencial e da dignidade humana”, diz o órgão do Ministério Público Federal.
Desconstitucionalização
No texto, o órgão destaca ainda que esta proposta retira do âmbito constitucional o tratamento de uma série de questões relativas à Previdência. O rol de benefícios e beneficiários, a idade mínima, o tempo de contribuição, as regras de cálculo dos benefícios, o tempo de duração da pensão por morte e as condições para acumulação de benefícios, por exemplo, passarão a ser disciplinados por lei complementar, cujo conteúdo da proposta ainda não foi apresentado. Na avaliação da Procuradoria, a desconstitucionalização das questões centrais da Previdência fere de morte valores fundantes da Constituição de 1988. Entre eles, o de explicitar, em nível constitucional, os principais fundamentos das políticas públicas voltadas à construção da sociedade nacional projetada no artigo 3º.
“Não há como negar que os temas atinentes à capitalização e à desconstitucionalização dos principais vetores da Previdência alteram o núcleo essencial da Constituição de 1988”, destaca a PFCD.
A nota técnica da Procuradoria na íntegra está disponível neste link.
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(Comunicação da PFCD com edições da ASPUV)