Entrevista: “os serviços e os servidores públicos no seu conjunto estão em risco”
2019 foi um ano turbulento para a educação pública e o movimento de trabalhadores. De corte de bolsas, congelamento orçamentário ao Future-se e ataques aos sindicatos, não faltaram motivos para acender o alerta da categoria docente. Para 2020, a empreitada deve se aprofundar. Exemplo é a tramitação de uma série de Propostas de Emenda à Constituição (PECs), que atingem diretamente os servidores públicos, como a PEC Emergencial e a reforma administrativa.
Para discorrer sobre esse cenário, a ASPUV entrevistou o presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), Antonio Gonçalves. A conversa você lê a seguir:
ASPUV – Os ataques às universidades públicas foram uma constante em 2019. Apesar do papel essencial que elas têm para o país, há quem diga que essa função ainda não é muito bem delimitada para a população de forma geral, que ainda enxerga as instituições em uma redoma, como algo distante, inacessível e longe da realidade. A universidade precisa romper as suas barreiras e chegar ao povo? Como acredita ser possível fazer isso?
Antonio – Entendo que a Educação Pública como um todo é um tema que mobiliza a sociedade brasileira. Uma demonstração disso foram as mobilizações de rua em 15 e 30 de maio de 2019 contra os cortes no orçamento efetuados pelo atual Governo Federal. A Educação Superior Pública tanto no âmbito federal quanto estadual e, em menor proporção, municipal expandiu-se e tornou-se mais inclusiva, menos elitizada, portanto mais próxima do povo. Acredito que é possível torná-la mais popular a partir da ampliação dos recursos públicos no financiamento das Instituições Públicas de Educação Superior, de modo a permitir a expansão do sistema educacional com qualidade; políticas afirmativas; políticas de acesso e permanência; ampliação do quadro de pessoal, selecionado de forma isonômica a partir de concursos públicos pelo Regime Jurídico Único e a garantia da autonomia universitária, dentre outras iniciativas.
ASPUV – Desde o início, o Andes-SN se mostrou um crítico mordaz ao Future-se. Podemos dizer que ele é a materialização e a consolidação de todos esses ataques que estamos vivenciado? Por que a proposta representa um enorme retrocesso às instituições federais de ensino?
Antonio – O Future-se é uma tentativa de desresponsabilizar o Estado do financiamento da Educação Pública, mas também tem como intuito promover o desmonte das IES Públicas, rompendo com a sua ainda frágil autonomia, flexibilizando a forma de contratação de pessoal, estabelecendo critérios meritocráticos de acesso e permanência, fazendo com que haja um giro do processo de ensino-aprendizagem e produção do conhecimento para os interesses do mercado financeiro.
ASPUV – Simultaneamente, outra frente de ataque se deu sobre os sindicatos. Logo no início de 2019, tivemos a MP 873 e há uma tentativa de emplacar uma reforma sindical. Isso demonstra a importância que os sindicatos mantêm, mesmo com uma enorme frente tentando desqualificá-los?
Antonio – Sim, todas as organizações que buscam contribuir no processo de resistência da classe trabalhadora às políticas neoliberais e aos retrocessos civilizatórios são alvo dos governos de extrema-direita na esfera federal, estadual ou municipal. As reformas sindicais até aqui apresentadas não rompem com a intervenção do Estado na organização da classe trabalhadora e buscam promover a fragmentação da mesma.
ASPUV – Ao longo de 2019, tivemos ocorrências de greve por tempo determinado: 24 ou 48 horas. Qual o balanço do Andes-SN sobre esses movimentos? Fazer essas mobilizações de um ou dois dias foi uma estratégia que surtiu quais efeitos?
Antonio – O ANDES-SN esteve em greve por tempo indeterminado, no ano de 2019, nas universidades estaduais do Piauí, Bahia e Paraná. No setor das federais, a mobilização da base ainda não nos permitiu avançar em um movimento paredista por tempo indeterminado e a decisão da mesma é de construção de uma greve do setor da educação, mas isso ainda não foi possível. As paralisações por tempo determinado visam acumular forças e resultaram na aprovação do estado de greve a partir do início do semestre letivo de 2020, numa sinalização inequívoca que a greve é um instrumento legítimo e necessário e será deflagrada caso o governo continue recusando-se a negociar nossa pauta de reivindicações.
ASPUV – Vimos recentemente, em outras partes do mundo, exemplos de mobilização popular e trabalhista por um tempo maior. Mais recentemente, uma grande greve na França contra um projeto de reforma da Previdência praticamente paralisou o transporte público. Na sua avaliação, como fica o Brasil frente a esse cenário?
Antonio – A classe trabalhadora está em luta em diversas partes do mundo, estamos em plena luta de classes, em especial na América Latina. Aqui no Brasil não é diferente, há muitas lutas em curso, porém há de se reconhecer que a correlação de forças ainda nos é desfavorável e a luta tem sido defensiva. Diversos fatores contribuíram para essa atual conjuntura brasileira como o esgotamento da conciliação de classes e a ascensão de governos de extrema-direita no plano federal e estadual.
A realidade concreta nos impõe a tarefa de construir a mais ampla unidade na luta para derrotarmos, nas ruas, todas as políticas que retiram direitos dos/as trabalhadores/as e avançarmos no processo de reorganização da classe trabalhadora. Por isso, o ANDES-SN tem contribuído na construção do Fórum Sindical, Popular e de Juventudes por Direitos e Liberdades Democráticas, um espaço que tem aglutinado lutadores/as na perspectiva de ampliar a unidade de ação e avançar no processo de reorganização da classe trabalhadora.
ASPUV – Para 2020, as perspectivas não parecem nada animadoras. Após uma série de cortes em 2019, temos a impressão que a situação se afunila e está, cada vez mais, perto do salário dos docentes federais. O Andes-SN acredita que a remuneração e a carreira estão em perigo real? Como isso seria possível?
Antonio – Sim, os serviços e os servidores públicos no seu conjunto estão em risco. As carreiras EBTT e do Magistério Superior foram desestruturadas em 2012 e temos acumulado perdas salariais nos últimos anos. Após a derrota que sofremos com a aprovação da contrarreforma da previdência do Bolsonaro e daquelas que estão sendo aprovadas nos estados, o Governo Federal busca agora a aprovação da reforma administrativa que prevê, dentre outros ataques, a destruição de carreiras, demissões e redução salarial de servidores públicos. As perspectivas para 2020 são de intensificação dos ataques, mas também de muita luta e resistência por parte da classe trabalhadora.
Foto em destaque: Jonathan Oliveira
(Assessoria de Comunicação da ASPUV com Assessoria de Comunicação do Andes-SN)