Poema: Parte Preta de uma Classe
Parte Preta de uma Classe
Valter Machado da Fonseca*
Do seio da mãe África surgem homens imponentes
Pele de bálsamo, lábios carnudos, rostos afinados
Demonstrando o tom da pele de guerreiros onipotentes
Da nação sofrida, perseguida pela desigualdade
Onde habitam homens que perseguem o sonho de liberdade
No porão empoeirado dos navios mal cheirosos
Se amontoam, sem destino, separados pela dor
Remam com orgulho, entoam cantos de união
Cabeça erguida, guardam lembranças da terra mãe
Não sabem que o lucro, a ganância e exploração
Colocam em seus ombros a árdua tarefa, outra batalha
De noutras terras construir outra nação
São meses, sem sol, sem dia, sem noite e sem luar
Alguns perecem, outros ao mar vão se jogar
Quando, enfim, chegam ao destino no além mar
Jogados ao solo como bichos maltrapilhos
Ainda trazem no peito, o nobre orgulho de não chorar
Vão pra fazenda do homem branco, sinhô patrão
Adubar a terra com o suor trazido da velha nação
Á noite vão pra senzala se lamentar
A perda dos filhos, dos irmãos deixados na terra distante
No ar, apenas o eco do som triste dos tambores
Que estalam como chicotes nos ouvidos dos opressores
De madrugada, na calada da noite, vem os filhos dos doutores
Violentar suas mulheres, suas filhas como num circo de horrores
Por puro instinto de um desejo animalesco
Enchem o ventre das mocinhas que relutam com ousadia
Com o sêmen turvo, manchado com o sangue da covardia
Depois de décadas de martírio e sofrimento
Resistem nos quilombos construindo a liberdade
Tocam os tambores com a esperança da igualdade
Depois de muita batalha vem o fio da navalha cortante
Através da pena no papel do homem branco
São expulsos das terras que fecundaram com seu suor
Jogados nas periferias das cidades embrutecidas
Onde crescem o ódio, o preconceito e a dupla exploração
Sem ter o que fazer, o que comer, são marginais
Ganham migalhas na “liberdade” da privação
Hoje, os descendentes mãe África continuam imponentes
Continuam na constante luta em busca da liberdade
Não sabem eles que são parte dos explorados,
Da força de trabalho que dão quase de graça pro patrão
Ainda vão descobrir que o preconceito, o medo e traição
Serão as sementes de uma classe que porá fim a opressão.
* Valter Machado da Fonseca é professor do Departamento de Educação da UFV, sindicalizado à ASPUV.
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