Em sua primeira nomeação para reitor, governo Bolsonaro planeja indicar 2º colocado em lista, diz jornal
Reportagem do jornal Folha de São Paulo divulgou que o Governo Federal planeja nomear para a reitoria da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) o candidato, que ficou em segundo lugar na consulta à comunidade acadêmica e na lista tríplice encaminhada ao Ministério da Educação (MEC). Essa será a primeira nomeação do tipo do atual governo.
De acordo com o jornal, a indicação do professor de engenharia Luiz Fernando Resende dos Santos Anjo consta na minuta de decreto, à qual a reportagem teve acesso, inserida no sistema de processo eletrônico da Advocacia-Geral da União (AGU). Dessa forma, o docente de filosofia e ciências sociais Fábio Fonseca, que ficou em primeiro lugar na votação, fica de fora da reitoria. Na consulta à comunidade universitária, a chapa encabeçada por Fonseca obteve 3.1787 votos e a por Anjo, 2.649. Já no Conselho Universitário foram 31 votos a 24, respectivamente.
O vencedor da eleição na UFTM foi filiado ao PT de 1990 até 2005 e ao PSOL de 2007 a julho do ano passado. “O que determinará a nomeação? Ser ou ter sido filiado a um partido político? Ter uma proposta de gestão da universidade transparente, ética, democrática e eficiente em termos de administração dos recursos públicos, de trabalho intenso pelo desenvolvimento científico e tecnológico, e pela inclusão social? Esperamos que o governo Bolsonaro nomeie o primeiro colocado na lista tríplice. Seria o respeito à democracia, à transparência e à moralidade administrativa”, disse o docente à reportagem.
Se o que foi noticiado se confirmar, essa será a primeira vez em 15 anos que o professor, que encabeça a lista tríplice, não será o nomeado a reitor pelo Governo Federal.
A chapa derrotada na consulta informal chegou a recorrer à justiça para tentar invalidar a eleição, alegando que os vencedores haviam fraudado o processo de votação. O Ministério Público Federal (MPF) pediu o arquivamento da denúncia e afirmou que as supostas irregularidades apontadas na representação inexistem, acolhendo as explicações da Comissão Eleitoral de transparência na apuração e na solução de intercorrência no início dos trabalhos em uma das urnas. Em novembro, o consultor jurídico do MEC, o advogado da União Emmanuel Felipe Borges Pereira dos Santos, aprovou o parecer que não apontava irregularidades no processo. A nomeação do reitor escolhido pela comunidade acadêmica, entretanto, não aconteceu durante o governo de Michel Temer. Desde então, Ana Lúcia de Assis Simões é reitora pro tempore da instituição.
Anjo é atualmente vice-reitor da UFTM e responde a processo por suposto favorecimento de candidato em concurso público para docente.
Na última semana, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, já havia ignorado a decisão da comunidade acadêmica na escolha do novo diretor-geral do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) e indicado Paulo André Martins Bulhões, que ficou em segundo lugar na eleição interna.
A Associação dos Servidores da Ines (Assines, filiada ao Sinasefe) divulgou uma carta aberta, na qual criticou a decisão de Vélez Rodrígues. Cobrou também que seja “respeitado o resultado do processo eleitoral realizado no instituto, em novembro de 2018, com ampla participação da comunidade escolar” e ressaltou que todos os candidatos assumiram o compromisso de que não tomariam posse caso não vencessem a eleição interna.
Foi a primeira vez que o primeiro colocado na eleição no Ines não foi o nome escolhido pelo ministério da Educação. O regimento do Ines determina que o diretor-geral do instituto, com mandato de quatro anos, seja eleito por meio de lista tríplice.
Antes da posse, equipe já planejava escolher reitores
Antes mesmo da posse do atual governo, também foi noticiada a intenção da equipe de Bolsonaro de escolher os reitores das federais. A ideia era que o candidato mais votado pela comunidade universitária não fosse automaticamente o nomeado. O escolhido deveria ter experiência em “gestão” e não possuir vínculos com partidos de esquerda.
Andifes, Andes e Aduftm reagem
Entidades reagiram à notícia veiculada na Folha de São Paulo.“Repudiamos de forma veemente a ação, caso se concretize, de não respeitar a consulta pública realizada na UFTM. As consultas já são ações limitadas e pouco democráticas e nenhum governo mudou isso. Nós vamos fazer os enfrentamentos necessários para garantir que as consultas sejam respeitadas. Para garantir que o desejo das comunidades acadêmicas, seja ele qual for, seja respeitado(…). É uma intervenção absurda, que infelizmente não é a primeira. Não é Bolsonaro que está inaugurando essa prática. Vamos começar uma campanha para garantir a democracia nas universidades”, disse a secretária-geral do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN).
Associação dos Docentes da UFTM (Aduftm – Seção Sindical do ANDES-SN) também critica a possível nomeação do candidato derrotado. “A autonomia universitária prevê que o primeiro colocado na escolha do Conselho é normalmente nomeado como reitor. É preocupante esse precedente de não nomear o primeiro colocado. Isso fere a autonomia universitária e a opinião da comunidade acadêmica. Acreditamos que a vitória do professor Fábio deveria ser respeitada”, afirmou o vice-presidente, Guilherme Rocha Pardi.
Já a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) lançou, nessa quarta-feira (23), uma nota sobre a nomeação dos reitores. O texto diz: “Devemos, portanto, garantir o reconhecimento da expressão legítima da vontade da instituição, também com o claro benefício político e administrativo de que, dessa maneira, contribuiremos para a agregação interna de uma comunidade voltada à realização de ensino, pesquisa e extensão de qualidade. Não respeitar a indicação de um primeiro lugar não é simplesmente fazer um juízo contrário à qualidade administrativa ou às posições políticas de um candidato ou candidata, mas, sim, de modo bastante grave, desqualificar a comunidade universitária e, também, desrespeitar a própria sociedade brasileira, atentando contra o princípio constitucional que preza a autonomia das universidades públicas”.
A nota na íntegra pode ser lida aqui.
Mudanças nos critérios de escolha para reitor
Ainda no governo de Michel Temer, em dezembro, o Ministério da Educação publicou um documento, que modifica as normas para a escolha dos reitores das instituições federais de ensino superior. Divulgada ainda em dezembro, a Nota Técnica nº 400 substitui a 437 de 2011, que possibilitava as consultas informais à comunidade acadêmica sobre o pleito.
Ao contrário da anterior, ela sinaliza que processos de consulta à comunidade universitária que adotem votação paritária entre docentes, técnicos administrativos e estudantes podem ser passíveis de anulação. A Nota Técnica registra que consultas com “peso dos docentes diferente de 70% será ilegal, e deve ser anulada, bem como todos os atos dela decorrentes”.
Na avaliação do Andes-SN, a imposição do cumprimento da lei sem a flexibilização a partir da autonomia universitária fere a democracia interna. “Nós já temos críticas à lista tríplice e ao modelo de eleição indireta que ocorre hoje nas instituições. Nós lutamos ao longo dos anos para ampliar a democracia nas universidades. Essa nota vem para cercear o mínimo de democracia que tínhamos. O Sindicato defende a eleição direta dentro da universidade com o voto paritário ou universal, conforme a autonomia de cada instituição”, disse.
Atualmente, a lei 9.192/95 e o decreto 1916/96 estabelecem que, em caso de consulta prévia à comunidade acadêmica, o peso do voto do corpo docente será de 70%. Os 30% restantes são divididos entre técnicos administrativos e o corpo discente, em geral, com 15% para cada. Desta consulta pública, sai uma lista tríplice, com os três candidatos mais votados. Essa lista vai para o órgão colegiado, instância máxima da universidade, que em geral, vota pelo primeiro nome. A lista tríplice, com a votação no primeiro nome, vai para o MEC, que sanciona, ou não, a decisão do órgão colegiado. Nos últimos anos, o ministério da Educação tem respeitado as decisões da comunidade acadêmica, escolhendo como reitor o primeiro colocado da lista.
Segundo a assessoria jurídica do sindicato nacional, apesar de essa orientação já constar na legislação que regulamenta o processo de escolha dos dirigentes das Ifes, a “Nota Técnica pode sinalizar uma pré-disposição governamental de que eventuais processos de escolha que não sigam essas determinações possam ser inquinados de ilegalidade e, portanto, passíveis de anulação”.
(Na foto em destaque, UFTM. Crédito: divulgação UFTM)
(Assessoria de Comunicação da ASPUV com informações da Folha de São Paulo, Andifes e Andes)