Cortes nas universidades vivem momento mais grave atrelados à ‘guerra cultural’
A questão orçamentária se tornou uma constante preocupação para as instituições federais de ensino. Nos últimos anos, presencia-se o progressivo e rápido corte de recursos para a educação, resultante das políticas de austeridade, que ganharam novo impulso a partir da promulgação da Emenda Constitucional (EC) 95 de 2016, mais conhecida como Teto de gastos ou PEC da Morte. Não bastasse, o cenário atual é marcado por um outro perigoso elemento: uma “guerra cultural” contras as instituições científicas e de ensino.
Números da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) mostram que o orçamento discricionário (ou seja, aquele usado para compra de materiais, bolsas, água, luz e pagamento dos terceirizados, por exemplo) para 2021 é o mais baixo desde 2011. Naquele ano, o total foi R$ 5,6 bilhões. O valor mais alto empenhado foi em 2015: R$ 7,8 bilhões. A partir daí, os montantes apresentam queda, até chegarem ao previsto para este ano: R$ 4,5 bilhões. O número não apenas é o menor como é agravado pelo cenário de inflação e universidades, hoje, com mais alunos.
Cortes de 2014 para cá têm diferenças
Em artigo publicado no fim do último mês, o professor Roberto Leher, ex-reitor da UFRJ e ex-presidente do Andes-SN, adota uma “periodização” para entender os cortes sofridos pela área do conhecimento. Ele faz a divisão conforme três critérios: a) se os cortes se deram por meio de contingenciamentos ou por redução na lei orçamentária; b) se vieram acompanhados por medidas explicitamente hostis à liberdade de cátedra e à autonomia universitária; e c) se compõem um novo arcabouço constitucional capaz de impor coercitivamente alterações no orçamento da União. Dessa forma, classifica os cortes sofridos de 2014 para cá em três períodos:
1) Período de contingenciamentos (2014-2016): a correção inflacionária foi mantida nos orçamentos, mas pressionado pelo agravamento da crise, o governo realizou cortes por meio de contingenciamentos.
2) Queda orçamentária decorrente da EC 95, materializada na LOA (2017-2018): nesse período, as quedas orçamentárias já são reflexos da EC 95. As reduções não são frutos apenas de contingenciamentos, mas fundamentalmente dos cortes.
3) Combinação da EC 95 com a guerra cultural e com as novas contrarreformas constitucionais (2019 para cá): cenário agravado por novas medidas de desmonte às quais se somam ainda uma espécie de “guerra cultural” com o objetivo de desmoralizar a universidade e a ciência frente à opinião pública. Acusações totalmente sem embasamento como a de que são instituições que promovem “balbúrdia” e uso de drogas têm esse fim explícito.
“A partir da posse de Bolsonaro, em 2019, o neoliberalismo extremo assume plenamente suas feições autocráticas. O governo empreende uma série de atos hostis à autonomia universitária, prioriza a nomeação de reitores que não foram legitimados por suas comunidades e mobiliza o MEC para atuar como uma das trincheiras da ‘guerra cultural’ (…). Além das iniciativas inequivocamente ofensivas à autonomia científica das instituições, da mobilização do aparato do Estado para coibir a liberdade de cátedra, os operadores da área econômica, em fina confluência com a agenda do bloco no poder, encaminham uma série de Propostas de Emenda Constitucional que radicaliza, ao extremo, a contrarreforma do Estado”, diz Leher.
Futuro se desenha ainda pior
Caso não haja uma reversão do modelo econômico adotado, a tendência é a piora do cenário, seja pela continuidade das políticas já em vigência seja por meio de novas ações.
Um dos exemplos mais latentes é a reforma administrativa (PEC 32). Se vier a se concretizar, colocará em xeque fundamentos básicos da educação e ciências públicas, por meio de ações como a substituição dos concursos por indicações políticas e a fragilização da estabilidade. Ficam dadas aí as condições para instituições desatreladas de suas funções sociais, sem compromisso com a qualidade da educação oferecida e sem garantias para a liberdade de cátedra ou na condução de pesquisas. Em outras palavras: universidades que obedeçam única e exclusivamente aos ditames de quem está no governo desfeitas de qualquer autonomia. Um cenário que coloca em risco o futuro do Brasil, enquanto país soberano, que garanta direito à sua população e seja capaz de atenuar as suas desigualdades.
“A continuidade desta política de destruição levará inevitavelmente à ‘falência’ das Universidades Federais, dos Institutos Federais, dos Centros Federais de Educação Tecnológica, dos agentes financiadores da Educação Básica (FNDE) e da Ciência e Tecnologia (Capes, CNPq e FNDCT). É preciso que a sociedade brasileira emita, com urgência, um ‘grito desesperado’ de chega de tanta desconstrução e desfazimento”, alerta o professor da UFG, Nelson Cardoso Amaral, em seu artigo Dois anos de desgoverno – os números da desconstrução.
(Assessoria de Comunicação da ASPUV)