“A questão palestina é a régua moral dos nossos tempos”, diz jornalista Breno Altman em Viçosa
Centenas de pessoas acompanharam a palestra do jornalista Breno Altman, realizada em Viçosa, na noite da última quarta-feira (14), no Espaço Fernando Sabino. Altman, que é judeu, fez um apanhado histórico sobre a questão palestina: contou a origem do sionismo, como se deu a criação do estado de Israel, falou sobre a resistência frente ao processo de colonização, chegando aos episódios mais recentes de outubro de 2023 para cá, que já assassinaram mais de 40 mil civis palestinos. Mais da metade dessas vítimas são mulheres, crianças e adolescentes.
A ASPUV foi uma das realizadoras da atividade, que contou ainda com sessão de autógrafos do livro Contra o Sionismo: Retrato de uma Doutrina Colonial e Racista, escrito por Altman.
Confira, a seguir, uma síntese da palestra e os principais pontos abordados por Altman.
Origem do sionismo
“O que se passa na Palestina é um genocídio, que tem por origem um processo racista e colonial”, destacou o jornalista logo na abertura da sua palestra, ao dar início à reconstituição do caminho que levou à situação que vive hoje o povo palestino.
Para recontar esse processo, o jornalista foi ao fim do século XIX, quando é consolidada a doutrina sionista, que teria o apoio de setores do judaísmo. Essa doutrina tem como marco a publicação do livro O Estado Judeu do austríaco Theodor Herzl em 1986. Herzl propunha uma “solução” para a perseguição contra judeus, especialmente na Europa, denominada antissemitismo. Essa solução seria justamente a constituição de um estado. “Mas essa explicação abraçada por Theodor Herzl não tinha lastro na realidade, o que ele estava propondo não era um estado nacional. Os judeus no final do século XIX já não eram mais uma nacionalidade. Uma nacionalidade é a intersecção entre povo e território (…). Os judeus já haviam sido desterritorializados mais de 1.800 anos antes do surgimento do sionismo”, explicou.
No começo, o movimento sionista chegou a debater onde seria implantado o estado judeu reivindicado. Correntes propuseram regiões no Congo, em Uganda, Madagascar e na Patagônia argentina, mas acabaram derrotadas. O lugar escolhido foi a Palestina, argumentando-se que eram as terras de onde os ancestrais judeus haviam sido expulsos quase 2.000 anos antes. “Esse argumento de senso comum, no entanto, escondia a real história de por que essa decisão foi tomada. Theodor Herzl, em seu livro, não propõe criar o estado judeu na Palestina. E por que se decide criar o estado judeu na Palestina? Por conta das relações que o sionismo passa a estabelecer com grupos fundamentais da religião judaica. O movimento sionista se deu conta que aquele seu discurso étnico era um discurso incapaz de chegar às massas judaicas. Para chegar às massas judaicas, o movimento sionista precisaria que a religião judaica se colocasse a serviço, estabelecendo uma ponte afetiva”, disse Altman. Pela religião judaica, a vinda do Messias estaria atrelada ao retorno às terras ancestrais.
Na Palestina, no entanto, os judeus não passavam de 5% da população. A imensa maioria da população era formada por palestinos, principalmente de fé mulçumana. “Como então constituir um Estado de supremacia étnica judaica com uma ínfima minoria desse grupo no território que havia sido decidido para construir esse estado? Só havia um caminho: o caminho do colonialismo. Seriam necessários expulsar, segregar e, no limite, exterminar o povo majoritário daquela região”, destacou.
Colonialismo e criação de Israel
Conforme explicado na palestra, para avançar no processo, o movimento sionista estabeleceu uma aliança com o Império Britânico, então principal estado imperialista e colonial do planeta. Os britânicos haviam interesse em constituir uma ponte no Oriente Médio, que, na época, estava sob domínio do Império Turco Otomano, por duas razões principais: pela sua posição geográfica entre o Oriente e o Ocidente e pela alta produção de petróleo. Em 1918, após a I Guerra Mundial, o Império Britânico alcançou o objetivo e passou a deter o mandato colonial sobre a Palestina.
Deu-se início, então, ao processo de colonização sionista sobre o território palestino, que ocorreu em três etapas. A primeira por povoamento: foram compradas terras e financiada a imigração de judeus. Quando se atingiu um volume relevante, começou a segunda, por segregação: as instituições criadas pelo financiamento judeu só atendiam e empregavam judeus, criando uma enorme disparidade com o povo palestino. Por fim, a terceira foi pela violência: a pretexto de proteger as propriedades judias, foram criadas três grande milícias armadas, cada uma ligada a um setor do sionismo, que espalhavam violência pelos povoados e cidades, expulsando centenas de milhares de palestinos.
Com a comoção internacional gerada pelo holocausto, ao fim da II Guerra Mundial, a criação do estado sionista avançou. Em 1947, a ONU aprovou a partilha da Palestina: 53,5% do território do antigo mandato britânico (incluindo as terras mais férteis) seriam destinados para o estado judeu e 46,5% para o palestino.
“O Estado de Israel sequer respeita a partilha, porque essa partilha estabelecia um período transitório de dois anos para que pudesse ser feita a acomodação populacional. Porque nos 53,5% destinados havia muitos palestinos e nos 46,5% para o Estado palestino havia certa participação judaica. O movimento sionista não aceita isso e na própria noite em que é extinto o mandato colonial britânico cria o estado de Israel”, explicou Altman.
Reação palestina
Na palestra, o jornalista destacou que a reação palestina ao processo de colonização teve início ainda durante a etapa de segregação. Com a divisão do território pela ONU, em retaliação árabe à criação de Israel, começa a Primeira Guerra Árabe-Israelense. Quando o armistício é assinado, Israel já havia expandido para 79% o seu controle sobre o território. Em 1967, quando ocorre o segundo grande conflito pós-criação do estado sionista, Israel passa a controlar 100% do território e ainda anexa a região das Colinas de Golã, então pertencentes à Síria. Foram, então, sacramentados o processo de colonização e o estabelecimento de um regime de apartheid.
O ápice da resistência palestina, constituída sobretudo na Organização para a Libertação da Palestina (OLP), ocorreu entre 1988 e 1993, no episódio conhecido como Primeira Intifada, lembrou Altman. O armistício levou à assinatura dos conhecidos Acordos de Oslo. Neles, entre outros pontos, ficavam reconhecidos os territórios conforme anos antes, com Israel detendo 79% e a Palestina 21%. Nem todas as forças palestinas, no entanto, concordaram com os termos, como o então recém-criado Hamas.
Como destacou Altman, começou aí uma nova onda de colonização sionista, levando imigrantes judeus para assentamos que, pelos Acordos de Oslo, seriam territórios palestinos: “atualmente, são mais de 700 mil colonos judeus em 230 assentamentos. Quem olha para os territórios palestinos que são comandados pela Autoridade Palestina terá sempre a impressão de ver um queijo suíço”. Essa sistemática violação aos termos do acordo levou à Segunda Intifada, entre 2000 e 2005.
Um fato crucial nos desenrolar desses episódios foi a vitória do Hamas nas eleições legislativas palestinas de 2006, quando conquistou 73 das 132 cadeiras do Parlamento. Como retaliação, Isarel orquestrou, junto aos Estados Unidos e à União Europeia, um bloqueio total à Palestina, o que fez com se instalasse uma crise entre o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, e o Hamas. Foi então que o Hamas expulsou o Fatah, partido de Abbas, da Faixa de Gaza. Israel então, muralhou toda a Faixa, passando a controlar o fluxo de pessoas e mercadoria, transformando o local “no maior campo de prisioneiros do mundo”, nas palavras de Altman. Desde 2007, ninguém entra ou sai sem a autorização de Israel, que regula a entrada até de alimentos, remédios e doações.
Contra-ataque em outubro e genocídio palestino
“Até 6 de outubro de 2023, a resistência palestina nas suas ações armadas matou cerca de 180 israelenses, o Estado de Israel retaliou matando cerca de 8.500 palestinos, na sua maioria civis, especialmente mulheres e crianças. Há uma lógica quando estados genocidas matam mulheres e crianças: para que as crianças não virem adultos e as mulheres não tenha filhos, para que esse povo possa, portanto, ser exterminado paulatinamente. Essa é a situação que nos leva ao 7 de outubro. O 7 de outubro, portanto, é uma reação a esse cenário. Não é um ataque ao estado de Israel é um contra-ataque”, frisou o jornalista.
O 7 de outubro foi o dia no qual o Hamas promoveu contra-ataques a Israel, acentuando o cerco do estado sionista aos palestinos. Desde então, as forças armadas israelenses já mataram mais de 40 mil civis em Gaza. Apesar do genocídio, o tom que predomina na mídia hegemônica é o de condenação à resistência palestina e exaltação ao estado israelense.
“Não devemos olhar a questão palestina apenas com os olhos de quem assiste e sofre com o genocídio daquele provo. Nós devemos olhar principalmente com outros olhos. Com os olhos que admiram e se solidarizam com a valentia do povo palestino. Ali na Palestina se trava hoje a principal batalha dos povos do mundo contra o sistema imperialista e neocolonial. Eu não tenho dúvidas em afirmar que a questão palestina é a régua moral dos nossos tempos. Se nós queremos saber, se nós queremos estender de que lado da história nós estamos, a pergunta que a gente deve fazer é: qual é a sua posição sobre a questão palestina?”, concluiu Altman.
Entrevista à ASPUV
Já na quinta-feira (15) pela manhã, Altman esteve na sede social da ASPUV. Recebido pelos diretores Edilton Barcellos e Cezar De Mari, o jornalista conheceu os trabalho do sindicato e a sua história de 61 anos de luta.
Na oportunidade, também concedeu uma entrevista conjunta à equipe de comunicação da ASPUV e à TV Viçosa. Na conversa, Altman aborda o processo de elaboração do livro, a importância de ferramentas que trazem outras perspectivas frente ao discurso da mídia hegemônica e a centralidade da luta palestina.
Assista no link a seguir:
(Assessoria de Comunicação da ASPUV)