Conta de luz mais cara e desemprego: os impactos da privatização da Eletrobras
Em um duro golpe para a soberania e o desenvolvimento do Brasil, o Congresso Nacional aprovou a Medida Provisória (MP) 1031/21, que trata da privatização da Eletrobras. Por se tratar de uma MP, a proposta de venda da estatal do ramo energético teve tramitação mais célere, em função dos prazos regimentais, o que tornou inviável um debate mais profundo sobre os seus impactos.
Para aprovar a MP, organizações apontam que o governo se valeu de uma possível crise hídrica, tentando responsabilizar o consumo da população e o clima pelo valor da tarifa de energia. “Todas as evidências, levantadas pelo MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) junto com outras organizações, apontam que os reservatórios foram esvaziados propositalmente pelas empresas. Com isso, elas acionam as bandeiras tarifárias e garantem um aumento da conta de luz, e, consequentemente, a ativação das termoelétricas, que também são de posse das empresas que ativam um mecanismo de aumento das contas de luz”, diz o integrante da Coordenação Nacional do MAB e da Plataforma Operária e Camponesa da Água e Energia (Pocae), Fernando Fernandes.
As novas ações da Eletrobras, que serão vendidas no mercado sem a participação do governo, resultam na perda do controle acionário de voto majoritário mantido atualmente pela União. A venda de ações deve reduzir a participação da União na companhia para 45%. Cada acionista, individualmente, não poderá deter mais de 10% do capital votante da empresa. Sobrará à União uma ação de classe especial (golden share) que lhe garante poder de veto em decisões da assembleia de acionistas. A medida permite a concessão de exploração de usinas para as empresas privadas por um período de 30 anos.
Impactos da privatização da Eletrobras
Segundo especialistas do setor, a privatização da maior empresa de energia elétrica da América Latina trará graves consequências à população brasileira e à economia do país, como o aumento de tarifas, desindustrialização e desemprego, possibilidade de novos apagões, crimes sociais e ambientais, violação de direitos, ataques à soberania energética do país, entre outros. A seguir, explicamos com mais detalhes:
Conta de luz mais cara
Com a privatização, a conta de luz poderá ficar cerca de 20% mais cara nas casas. O aumento percentual já foi previsto pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em 2018, quando o debate sobre a venda Eletrobras veio à tona, ainda durante o governo de Michel Temer (MDB). Atualmente, a empresa produz uma das energias mais baratas vendidas no país, em torno de R$ 65/1.000 kWh (quilowatt por hora). O valor é bem abaixo do praticado no mercado de energia, que cobra em média R$ 250/1.000 kWh.
A diretor da Associação de Empregados da Eletrobras (Aeel), Emanuel Mendes, endossa que a privatização causará aumento nas tarifas: “a concentração de mercado que a Eletrobras possui vai conceder aos seus novos acionistas um poder de determinar oferta, e, portanto, os preços de energia. Assim, a tarifa final deve subir em paralelo com o aumento de crises de abastecimento, prejudicando diretamente as famílias e as empresas, mas principalmente os mais pobres, que no futuro próximo não terão acesso ao serviço essencial de energia”.
Desindustrialização e desemprego
Cerca de 99% da população brasileira utilizam energia elétrica e praticamente todos os setores produtivos estão relacionados a ela. Com custos maiores, pequenas e médias indústrias podem fechar, agravando a desindustrialização e o desemprego em todo país. Outra consequência será o encarecimento de bens de consumo, alguns essenciais, uma vez a alta na energia deve ser repassada ao consumidor final.
“Tende-se, com o aumento da energia, que é um dos insumos principais no setor de produção, que pequenas e médias indústrias possam vir a decretar falência, agravando ainda mais o desemprego no nosso país. Em vez de estimular os insumos de produção, como a energia, para que sejam mais baratos e aumentar a produção industrial, o governo privatiza a Eletrobras para garantir um aumento abusivo das contas de energia elétrica do nosso país”, criticou Fernandes.
Novos apagões
O Brasil corre ainda o risco de ter a qualidade da geração, transmissão e distribuição da energia prejudicada, o que poderá causar novos apagões, como o que ocorreu no Amapá, em 2020, justamente, depois da privatização de parte da área elétrica no estado. As empresas privadas que assumiram o setor – Isoloux e depois, em 2020, a Gemini Energy -, negligenciaram os investimentos em manutenção. Por conta do apagão, foi justamente a Eletrobras a convocada para resolver o problema, que durou três semanas.
“As empresas pensam em apenas explorar lucros e não garantem reformas e melhorias em suas infraestruturas, desencadeando processos e deixando a população à mercê. Então, esses novos apagões podem ser uma tendência tanto no país todo, como nos estados que estão passando pelo processo de privatização”, alertou o representante do MAB e do Pocae.
Soberania em xeque
A privatização da companhia de eletricidade também comprometerá a soberania nacional, ao tirar do controle do Estado a maior produtora e distribuidora de energia do país. As usinas hidrelétricas são responsáveis por cerca de 75% da eletricidade gerada no país e são fundamentais ainda, por meio dos reservatórios, para o abastecimento, a regularização dos rios, a irrigação, entre outros.
“Os novos acionistas da Eletrobras também serão donos das hidrelétricas em quase todas as bacias hidrográficas do nosso país. O controle dessas bacias poderá abrir mercado para consolidar no nosso país um projeto antigo sobre a instalação do mercado das águas no Brasil, em que rios, aquíferos, águas subterrâneas, lagos, reservatórios se tornariam privados. Se cria um mercado de outorga pela utilização da água, que é um modelo que já existe no Chile. É uma medida que pode dificultar o acesso à água, criar conflitos e aumentar o custo das tarifas de água”, disse Fernandes.
Novos crimes ambientais e sociais
Outra grande preocupação é a possibilidade de ocorrerem crimes sociais e ambientais, como foi o caso dos rompimentos das barragens em Mariana (MG) em 2015, e em Brumadinho (MG), em 2019. Os dois crimes tiveram como protagonista a Vale, empresa privatizada na década de 1990.
“São os casos mais tristes na história do Brasil e mostram o que significa a privatização, em que empresas passam a ter apenas como prioridade a exploração dos recursos naturais e a garantia de lucro acima de tudo e, ainda, não realizam a manutenção nas estruturas. Então, essa é uma das nossas preocupações com a privatização da estatal, considerando que a Eletrobras é dona de barragens hidrelétricas em quase todas as bacias do país”, argumentou Fernandes.
O representante do MAB lembra também que a privatização terá impacto negativo na garantia dos direitos das populações atingidas pela construção de barragens. “Defendemos a manutenção da Eletrobras enquanto uma empresa pública, porque ela nos possibilita a garantia dos direitos das populações atingidas e facilita o debate de um projeto de Nação e sobre o papel da água e a energia em nosso país. Não necessariamente uma empresa pública tem como prioridade a geração de lucro, mas a de servir a sociedade”, reforçou o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens .
Efeito estufa
Uma das grandes polêmicas na MP aprovada pelo Congresso é a contratação de mais termelétricas no país. Hoje, as termelétricas costumam funcionar quando o volume de água no reservatório das usinas hidrelétricas está baixo. O governo, ao privilegiar a matriz térmica em detrimento de fontes mais limpas como a solar e a eólica, opta por contribuir com impactos ambientais significativos. Uma pesquisa do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) estima que a privatização da empresa trará um aumento anual de 24,6% nas emissões de gases de efeito estufa em comparação a dados de 2019 do setor elétrico. Nesse cenário, também podem crescer em 45%, as emissões das termelétricas a gás natural.
Terceirização
No setor elétrico brasileiro, uma das características do processo de privatização é a substituição de trabalhadores do quadro próprio por terceirizados, explica o diretor da Associação dos Empregados da Eletrobras (Aeel), Emanuel Mendes. “Os terceirizados sofrem com condições precárias de trabalho, o que afeta a qualidade do serviço, mas também impacta a segurança desses trabalhadores”, ressaltou.
Mendes disse que, com as privatizações nas últimas décadas, o número de vínculos laborais no setor foi reduzido quase pela metade. Atualmente, a Eletrobras possui cerca de 12 mil empregados no seu quadro funcional.
Privatização do setor elétrico
O processo de privatização de grande parte do setor elétrico brasileiro teve início na década de 1990.
Nos últimos anos, foram privatizadas as distribuidoras, que eram controladas pela Eletrobras, nas regiões Norte e Nordeste, além de outras estaduais como a Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica Rio Grande do Sul (Ceee), a Companhia Energética de Brasília (CEB) e a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA).
Hoje, no setor, restam poucas empresas públicas como a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), a Companhia Paranaense de Energia (Copel) e as Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc).
Privatização da Eletrobras poderá ser contestada
Após muitos protestos relativos à forma como foi conduzida a votação da MP e o seu conteúdo, a privatização da Eletrobras poderá ser contestada judicialmente.
A Aeel, por exemplo, afirma que irá recorrer e provar que a MP é inconstitucional. “Além da terceirização, a medida fere vários artigos da Constituição Federal, dentre eles o artigo 37 que afronta os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência que reger a administração pública, uma vez que fere a legalidade ao não se observar os requisitos de urgência e relevância de uma MP”, disse Mendes.
(Assessoria de Comunicação do Andes-SN com edições da ASPUV)