Fundeb: desvio de verbas da educação pública para o setor privado é inconstitucional
Após muita mobilização para que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) se tornasse permanente, a sua regulamentação pode guardar um grande golpe para a educação pública. Segundo o texto aprovado pela Câmara na última semana e que, agora, segue para o Senado, será permitida a destinação de 10% dos recursos do fundo para instituições filantrópicas comunitárias, confessionais e para educação profissionalizante, inclusive promovida por entidades do Sistema S (Senai e Senac). Na prática, trata-se do desvio de verba pública para a iniciativa privada.
Segundo cálculos de entidades da área, a perda para a educação pública deverá ser de R$ 15,9 bilhões. “O que era uma brecha (artigo 213 da Constituição), progressivamente vem se tornando uma avenida aberta à privatização do ensino em nosso país. A trava de 10% de destinação para conveniamento privado no ensino fundamental e ensino médio é um estímulo à expansão da privatização, posto que este formato possui apenas 0,56% de matrículas no ensino fundamental e 0,16% no ensino médio”, avalia o Andes-SN, classificando o texto aprovado na Câmara como “um grande retrocesso”.
Transferência é inconstitucional
Segundo análise do Ministério Público Federal (MPF), o desvio de recursos para a iniciativa privada, previsto no projeto que regulamenta o Fundeb, é inconstitucional. Em nota técnica enviada ao Senado, o MPF diz: “é preciso insistir que tais propostas são materialmente inconstitucionais por diversas razões. A primeira e mais importante é que, no artigo 213, a Constituição Federal de 1988 fez uma opção explícita pela transitoriedade das parcerias com a iniciativa privada na prestação do serviço público de ensino obrigatório, exclusivamente para atender a déficits de vaga nas escolas públicas no curso da implementação da expansão do segmento público”.
No texto, o Ministério Público também descontrói o argumento de falta de vagas na rede pública, usado por parlamentares para justificar a transferência ao setor privado. “A questão de fundo passa pela suposta necessidade de convênios a serem celebrados com entidades privadas sem finalidade lucrativa, para fins de alegada expansão da oferta de vagas não apenas em creches, mas também na educação básica obrigatória. Todavia, essa tese de insuficiência de vagas na rede pública de ensino é um argumento factual e juridicamente inepto para sustentar a regulamentação que tem sido proposta para o novo Fundeb. Isso ocorre porque o art. 6º da Emenda 59/2009 obrigou a universalização de acesso à educação infantil pré-escolar e ao ensino médio até 31 de dezembro de 2016, enquanto a oferta estatal do ensino fundamental já é obrigatória há décadas, nos termos reforçados com a promulgação da Constituição em 1988”, argumenta o MPF.
A nota técnica na íntegra pode ser lida aqui.
Entenda
O Fundeb foi promulgado por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de 2006, que previa sua a existência por 14 anos, prazo que se encerraria em 31 de dezembro próximo. Dessa forma, entrou em tramitação no Congresso e foi aprovada, há poucos meses, uma nova PEC, que tornou o fundo permanente. O texto estabeleceu ainda outros pontos, como o aumento da contribuição federal ao Fundeb: dos atuais 10% para 12% em 2021, subindo gradativamente até 23% em 2026.
Após a promulgação da Emenda Constitucional, começaram os debates sobre a regulamentação do fundo, do qual trata o Projeto de Lei (PL) 4372/2020, aprovado na Câmara e que começará a ser debatido no Senado, nos próximos dias.
Fundeb
O Fundeb é responsável por cerca de 60% do financiamento da educação básica pública brasileira. O fundo é composto por recursos, que provêm de impostos e transferências da União, estados e municípios, movimentando, anualmente, cerca de R$ 160 bilhões. Para se ter dimensão da sua importância, corresponde a mais de 80% dos recursos da educação para 2.022 cidades brasileiras.
*Crédito da foto em destaque: Agência Brasil
(Assessoria de Comunicação da ASPUV)