Aulas remotas levam professores à exaustão
A já intensa rotina de trabalho dos professores ganhou um considerável adicional com o ensino remoto. À preparação de conteúdos, aulas, correção de trabalhos e orientação de estudantes se somaram o manejo de novas ferramentas, o acréscimo de atividades domésticas e um difícil estabelecimento de horários e limites entre vida pessoal e trabalho, que agora funciona dentro de casa.
“O período de trabalho remoto na UFV supôs um incremento considerável nas atividades do professor. Além de nos desdobrar em vários afazeres domésticos e familiares que antes não tínhamos, triplicamos nossas atividades acadêmicas”, destaca uma professora da UFV, sindicalizada à ASPUV, que preferiu não se identificar.
“De forma alguma trabalhar em casa de maneira não optativa seria algo prazeroso. Se a gente pudesse escolher ficar em casa, em uma condição ‘normal’, em que não existe um inimigo invisível do lado de fora, certamente algumas pessoas poderiam até optar por trabalhar em casa, tendo a opção de sair no fim de semana, encontrar os amigos, tendo os espaços de lazer podendo ser ocupados, viajar… Talvez nesse caso alguns optariam pelo trabalho dentro de casa. Mas, de maneira obrigatória como está acontecendo, de forma alguma”, confirma o psicólogo Leandro Bicalho.
Desafios do trabalho em casa
A lista de desafios na rotina do trabalho em casa é extensa. Passa desde a utilização de novas ferramentas, como as necessárias para a gravação e a transmissão das aulas, além da intensificação do uso de rede sociais, ao difícil limite entre vida pessoal e profissional.
“Destaco o que me parece uma das maiores dificuldades de adaptação e fonte de exaustão: a fusão entre o pessoal e o profissional. Agora são diversos grupos de trabalho no Whatsapp, com dezenas (e até centenas, às vezes) de mensagens diárias, incluindo sábados, domingos e feriados, uma vez que cada um trabalha no horário que melhor lhe apetece. O que, antes, se restringia à troca de mensagens de âmbito pessoal, agora, se tornou uma mistura do pessoal com o profissional, o que tem me levado inclusive a desligar a internet do celular em alguns momentos para garantir o descanso semanal. Com o início das aulas remotas, foi acrescentada mais uma novidade na relação pessoal-profissional, a perda da privacidade com a utilização da minha casa como sala de aula, dada a obrigatoriedade de gravação e disponibilização dos encontros síncronos realizados nas disciplinas. Sei que essa incômoda fusão entre o pessoal e o profissional não afeta apenas os professores, mas também os alunos e os demais servidores em alguma medida. E tenho certeza de que muito do meu cansaço neste período se relaciona à invasão de privacidade imposta e à constatação da impossibilidade de escapar dessa lógica”, desabafa a professora.
Cenário que acentua um quadro já delicado à categoria: o adoecimento mental. Estresse, exaustão emocional e a síndrome de Burnout podem ser algumas das consequências. “Trabalhar em casa, pensando o caso dos professores, com certeza é mais difícil, com certeza é mais desgastante, com certeza não é o ideal para a nossa saúde mental. E tem relação com a sobrecarga, com o excesso de trabalho dentro de casa, o serviço doméstico, as pessoas que, às vezes, não têm o ambiente ideal para exercer profissão, não têm uma internet que funciona corretamente, têm criança dentro de casa, às vezes, têm filhos que também estão tendo que estudar pelo regime remoto… Uma série de coisas que pode agravar e levar a estresse, a um desgaste emocional (…). E outros fatores: o medo de adoecer, de sair de casa e contrair a doença., medo de morrer, de perder alguma pessoa querida”, analisa o psicólogo.
Bolsonaro ataca professores: “está bom ficar em casa”
Mas o presidente Jair Bolsonaro prefere desconsiderar essa realidade. Em mais uma de suas demonstrações de desprezo à educação, atacou os professores, em live, transmitida na última semana. Segundo Bolsonaro, “para eles (professores) está bom ficar em casa, por dois motivos: primeiro eles ficam em casa e não trabalham, por outro colabora que a garotada não aprenda mais coisas, não volte a se instruir”.
Bolsonaro desrespeita a categoria, que se desdobra com uma intensa rotina de atividades. Afronta os sindicatos, entidades responsáveis por lutar pelo bem-estar, saúde e direitos dos trabalhadores. Além de cometer enorme irresponsabilidade ao incentivar o retorno das atividades presenciais. Estimativas feitas por pesquisador da Fundação Getúlio Vargas apontam que 17 mil alunos e professores morreriam com a volta neste momento.
Saúde mental docente
A saúde docente é uma preocupação constante da ASPUV, que ganhou novos contornos durante esta pandemia. Além de promover duas rodas de conversa com uma psicóloga para acolher e escutar os professores, o sindicato tem divulgado pesquisas, que abordam a questão, e fomentado debates do tipo em seus espaços de comunicação, como o Rádio ASPUV.
Confira também:
– Rádio ASPUV Saúde Mental na Pandemia
– Rádio ASPUV Setembro Amarelo
*Crédito da foto em destaque: Marcelo Camargo – Agência Brasil
(Assessoria de Comunicação da ASPUV)
Consegui me enxergar nesse artigo; desde antes do PEO; o regime de trabalho (que dificulta nossa percepção de ser profissional e ser social), nosso comportamento (tolerância com o excesso de trabalhos) e a intensificação das demandas…