Ataques expõem fragilidade de plataforma virtuais em atividades acadêmicas
A assembleia havia sido convocada conjuntamente por docentes, técnicos e estudantes da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). O objetivo era uma discussão fundamental para a comunidade acadêmica, mas não foi possível realizá-la. Uma série de ataques à plataforma digital inviabilizou o seu prosseguimento.
O atentado no fim de julho é o mais recente e está longe de ser um caso isolado. Segundo um levantamento do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), ao menos oito universidades registraram ataques a atividades acadêmicas desde que começou a pandemia com a consequente intensificação do uso das plataformas virtuais. Há episódios de invasões a reuniões, debates, aulas e até mesmo apresentação de um trabalho de conclusão de curso. Em comum, a maioria tem caráter racista, misógino, machista e fascista, valendo-se de xingamento preconceituosos e até mesmo com uso da suástica. Teve caso em que foi exibido filme pornográfico.
“Esses ataques virtuais mostram o quanto são frágeis esses ambientes virtuais e apontam ao que poderão estar expostos estudantes e docentes. Além de lidar com todas as dificuldades de infraestrutura, acesso, organização de tempo, e também questões subjetivas, a comunidade acadêmica também está exposta a interrupção das atividades e ao impacto emocional negativo que essas agressões têm, em especial contra mulheres, negras e negros, indígenas, quilombolas e lgbts”, alerta o presidente do Andes-SN, Antonio Gonçalves, lembrando que muitas universidades estão retomando os calendário acadêmicos de forma remota.
Casos em todo o Brasil
Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 15 de julho, a apresentação de um trabalho de conclusão de curso da Faculdade de Direito foi alvo de agressões homofóbicas. O TCC abordou discursos de ódio e a criminalização da homotransfobia.
Após a apresentação inicial, a fala do primeiro avaliador foi interrompida por gemidos de conotação sexual. Logo depois, passaram-se a soprar fortemente os microfones. Em seguida, duas pessoas desconhecidas ligaram as câmeras e, por fim, reproduziram áudios do presidente Jair Bolsonaro em entrevistas concedidas quando ainda era deputado federal. “O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um coro, ele muda o comportamento dele”, dizia Bolsonaro em um dos áudios.
Dias antes, em 6 de julho, uma palestra da disciplina do curso de Nutrição também da UFSM com o tema Saúde e Nutrição da População Negra foi cancelada após ataques virtuais. A aula pública ocorria, quando, em meio às discussões, uma dezena de pessoas solicitou entrada na sala e passou a promover uma série de entraves ao andamento da atividade. Depois, ligaram o microfone e passaram a desferir frases de deboche e ameaças contra os participantes. O incômodo foi tamanho que a aula foi encerrada.
Em junho, um ciclo de palestras promovido pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) foi atacado com agressões e compartilhamento de imagens de teor pornográfico. No mesmo mês, um debate sobre negritude com professores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) foi interrompido por imagens de conotação racista. A reunião foi suspensa após não conseguirem retirar os invasores da sala virtual, que comemoraram a decisão aos gritos de “mito, mito” – em referência ao presidente Bolsonaro.
Em 8 de junho, o webinário Atlântico Negro, organizado por professores da Universidade de Campinas (Unicamp), foi invadido “de forma massiva por vozes e imagens que impediram o direito de fala da professora da Unicamp, dra. Lucilene Reginaldo, bem como de todos que acompanhavam a atividade, numa clara agressão à missão que a sociedade entregou à universidade de produzir conhecimento e difundi-lo de forma livre e democrática”, conforme nota da universidade.
No mesmo dia, um evento organizado pelo centro acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi alvo de uma invasão promovida por um grupo neonazista. “Diante de imagens nazistas, vídeos de pornografia e fotos de pessoas mutiladas exibidas em nossa reunião com calouros e calouras, vimos necessidade em levar a ocorrência às autoridades competentes”, disse, em nota, o organizador da atividade.
Ainda naquele mês, uma videoconferência sobre a História da África realizada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) foi invadida com desenhos, pornografia e áudios de conteúdo de extrema-direita.
Já na Federal de Minas Gerais (UFMG), um debate virtual sobre saúde sexual e reprodutiva, maternidade e raça foi o alvo. “O ataque já foi denunciado à Delegacia Especializada em Investigação de Crime Cibernético e esperamos que os responsáveis por esse ato ultrajante à nossa comunidade acadêmica sejam identificados e punidos”, comunicou em nota, a diretoria da Faculdade de Medicina da UFMG.
Um grupo também interrompeu uma aula da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Acre (UFAC), que ocorria em 2 de junho. De acordo com informações de um site de notícias locais, invasores gritavam “viva o mito” enquanto transmitiam conteúdos pornográficos. Mais de 90 estudantes participavam da atividade. Ainda de acordo com o portal Contilnet, ataque semelhante aconteceu em uma transmissão ao vivo do curso de Direito da mesma universidade.
“Esses são apenas alguns dos ataques que tivemos conhecimento. Mas já dão uma dimensão dos problemas e riscos que iremos enfrentar, além de todos os outros que já estamos apontando, com a adoção do ensino remoto nos moldes que está sendo imposto”, conclui o presidente do Andes-SN.
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(Assessoria de Comunicação do Andes-SN com edições da ASPUV)